sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Há vida depois de Avenida Brasil?


Há uma tendência recente nas telenovelas brasileiras em apresentar ao público personagens com características ainda mais próximas da realidade, deixando de lado o tom exageradamente fantasioso e garantindo visibilidade para outra parcela da população que agora pode se ver na TV. O maniqueísmo clichê da luta entre a mocinha sofrida e a vilã esperta e audaciosa está dando espaço para relações mais humanas, em que sentimentos como amor, ódio, frustração e arrependimento habitam tanto uma quanto outra. Apagam-se os limites que separam os dois lados do ringue. Para a pesquisadora em teledramaturgia Maria Ataíde Malcher, assumindo estas premissas, Avenida Brasil, sucesso do horário nobre que chega hoje ao fim, provou que a nova fórmula agrada e deixa um legado desafiador para as suas sucessoras.
Afinal, quem nunca cerrou os olhos tentando entender os diálogos na mansão de Tufão (Murilo Benício) enquanto todos falavam ao mesmo tempo? Ou caiu na gargalhada com as dancinhas e músicas-chiclete entoadas pela empregada doméstica Zezé? - a versão impagável “eu quero ver você me chamar de amendoim” rendeu um dos momentos mais cômicos da trama. “O autor tem trabalhado tentando fugir das receitas que já existem. As tramas em geral têm impacto no início, se desenrolam do meio para o fim e têm a grande virada no final. No enredo de Avenida Brasil já existiram vários desfechos, várias viradas, é como se a cada capítulo existisse um tema sendo desenvolvido, lembrando muito as séries”, explica Ataíde, referindo-se às escolhas feitas por João Emanuel Carneiro para desenvolver o enredo.

O sucesso está além da trama, que por vezes cai no clichê - como afirma a própria pesquisadora. “O mistério sobre quem matou o Max e as dificuldades enfrentadas pela mocinha e mocinho enfim viverem seu amor, por exemplo, já foram exaustivamente utilizadas. A novidade se estende ao caráter técnico: linguagem, planos sequenciais diferenciados e recursos muito comuns ao cinema”. A pesquisadora é enfática ao afirmar que a TV assumiu um papel no entretenimento que já não é único, fechado. “A dinâmica desta novela permite um fluxo com outros meios. As peripécias dos personagens são comentadas e compartilhadas nas mídias sociais, sites, blogs e portais da internet. Surgem virais e cada capítulo é comentado por centenas de pessoas, o que só é possível graças à forma como o autor conduz a trama”, comentou Ataíde, que tem dois livros publicados na área da teledramaturgia.

É tudo culpa da Rita!
A menina que foi abandonada no lixão, interpretada por Débora Falabela, cresceu alimentando o sentimento de vingança contra sua arqui-inimiga, Carmem Lúcia (Adriana Esteves). Avenida Brasil apresentou ao país uma mocinha humana, sem os maniqueísmos clichês de outros folhetins do horário nobre da televisão brasileira. A crítica televisiva foi dura com a interpretação da atriz e Débora foi acusada de carregar na obscuridade de sua personagem. Carmen Lúcia, por outro lado, linda e loura, ascendeu ao status de rainha do Divino, e, além de conquistar a família “toupeira”, como se refere ao núcleo da mansão, se tornou – mesmo vilã - a queridinha do horário nobre.

Não por acaso, Carminha é a personagem preferida do técnico em logística Marcelo Flexa, um fã declarado de telenovelas. Sem rodeios, ele conta que já nutria um carinho especial pela atuação de Adriana Esteves: “ela transformou a personagem de Nina em um trampolim para sua magnitude”, diverte-se comparando a força apelativa das personagens. O aficionado pela trama não deixa de tecer elogios a outros papeis que lhe surpreenderam. “As cenas na mansão são ótimas. Por lá, vários se destacaram, como a Zezé, Janaína, Lúcio, Leleco, Muruci, Ivana e o Adauto”, diz.

‘Vizinhos’
A paixão pela trama é tamanha que Flexa resolveu guardar a novela para a posteridade: todos os capítulos foram gravados e estão muito bem guardados, como uma relíquia. “Comecei a gravar a novela pensando em um dia mostrar para as futuras gerações da minha família”, admite. Ou, quando não tiver nenhuma novidade passando na telinha, é só rever e reviver”. A curiosidade em saber o que vai acontecer nos próximos capítulos é tamanha que ele confessa recorrer sempre a revistas e sites de fofocas. “Claro que isso ajuda, aguça a curiosidade de todos, quem não gosta de saber da vida dos outros? Por isso que novela é sempre um sucesso, alguns explosivos, como Avenida Brasil, outros com menos intensidade, mas na verdade os personagens são os nossos vizinhos, só que morando dentro da TV”, completa.

Talvez tenham sido estes aspectos que renderam à novela excelentes índices de audiência – o Ibope apontou uma média de 40 pontos ao longo do folhetim. A expulsão de Carminha da mansão do Divino foi o pico, registrando 49 pontos. No capítulo, a vilã foi desmascarada, com direito a brigas com tapas e bate-boca com a família, que culminou na expulsão da loura da mansão. Na ocasião, a novela monopolizou comentários nas redes sociais. Os trending topics do Twitter (assuntos mais comentados) registraram hashtag’s com inúmeras frases pronunciadas durante o capítulo.

Cinemão sem ‘caretice’
Avenida Brasil atraiu até aqueles que acreditam que a novela escraviza. É o caso do jornalista e produtor musical Marcelo Damaso. “Achei uma trama bem legal e um tratamento de cinema de verdade. Minha mãe assistia e eu, quando passava pela sala, via umas imagens e interpretações bem incomuns pro padrão careta da Globo. Daí passei a parar e assistir mais e comecei a me envolver com a história e achar tudo sensacional, desde os enquadramentos ao roteiro e, principalmente as interpretações”, conta.

Cansado dos formatos já existentes, Damaso critica alguns autores e reforça a necessidade da continuidade de trabalhos do mesmo nível de Avenida Brasil para que a teledramaturgia brasileira se reinvente. “Acho que quanto mais enterrarem Glória Perez e Manuel Carlos, melhor”, brinca.

O ator Kauan Amoras vira e mexe se pega exercitando o olhar crítico, oriundo de uma formação acadêmica teatral, sobre os capítulos da novela. Para ele, João Emanuel Carneiro tem uma forma muito própria de contar histórias, com agilidade e eliminando o supérfluo. “Ele faz a trama ficar mais interessante, mas também tem alguns pontos frágeis. Um deles seria o foco exacerbado na trama central, que por vezes acaba deixando de lado personagens secundários. Na maioria do tempo, a novela se torna densa e obscura, mais do que o necessário”, argumenta.

O ator paraense diz que João Emanuel Carneiro faz uma análise crítica sobre a situação social do brasileiro e que, devido à ousadia, caiu nas graças do povo. “As classes sociais se entrelaçando, ‘os pobres que ficam ricos, mas que nunca deixam de ser pobres’ e vice-versa. Acho que foi isso que cativou, as pessoas se identificaram. Com certeza, vai ser difícil para a próxima novela manter esse ritmo. O público se acostumou com esse dinamismo. Glória Perez tem um grande desafio em mãos”, acredita. 

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